Manejo integrado do fogo é testado de forma inédita em Unidades de Conservação de MS

Prática aplicada durante ação coletiva tem o objetivo de preparar áreas para o período de seca e passarão por restauração ecológica

Por Alicce Rodrigues | 13/07/2023 16:16

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O espaço deixado no meio da área queimada é feito de forma estratégica e serve como rota de fuga para os animais da região. (Foto: Alexandre Pereira)

A preparação para o período crítico de estiagem no Pantanal está envolvendo instituições federais, estaduais e municipais. Uma das técnicas é o Manejo Integrado do Fogo (MIF), que realiza a queima prescrita de uma determinada área para prevenir a ocorrência de incêndios florestais.

Essa técnica foi utilizada de forma inédita em Unidades de Conservação (UCs) do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), durante dois treinamentos feitos para o Corpo de Bombeiros entre os meses de junho e julho deste ano. 

Os locais escolhidos foram o Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema e o Parque Estadual Nascentes do Rio Taquari. A ação é fruto do trabalho integrado entre o Imasul, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o Corpo de Bombeiros Militar de MS e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Energias Renováveis (IBAMA) por meio do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, o Prevfogo. 

Na parte teórica, o grupo aprofundou os conhecimentos sobre Unidades de Conservação, legislação estadual ambiental, saúde, manejo integrado do fogo e particularidades da vegetação e da fauna sul-mato-grossense. Os participantes conheceram também as características dos dois parques e os conceitos para a análise da área queimada, o regime de fogo, os mecanismos de propagação, de avaliação da intensidade e contenção. 

Dentro de Unidades de Conservação estaduais, a autoridade responsável pelo combate a incêndios é o Corpo de Bombeiros. Tatiane Inoue, tenente-coronel e chefe do Centro de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros Militar de MS destaca que a tecnologia, o estudo e o trabalho integrado são fundamentais. “Hoje o monitoramento de possíveis incêndios florestais no nosso estado é efetivo e se tornou referência no Brasil. Isso só é possível graças a atividades como esta, que acontece pelo esforço coletivo das instituições. O nosso trabalho sempre envolve questões econômicas, sociais e culturais. Não é só apagar o fogo”.

Tenente-Coronel Tatiane apresentando o Plano De Operações do Corpo de Bombeiros Militar de MS para a temporada de incêndios florestais. (Foto: Alicce Rodrigues)
O treinamento reuniu bombeiros militares de diversos municípios do estado, misturando soldados novos e soldados com experiência em incêndios florestais. (Foto: Alicce Rodrigues)

Na atividade prática, os participantes realizaram um Plano Operativo Simplificado de Queima Prescrita em Unidades de Conservação, com a queima de 13,5 hectares no Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema e 13 hectares no Parque Estadual Nascentes do Rio Taquari. O objetivo foi preparar essas áreas para o plantio de restauração com mudas nativas e para reduzir, controlar e fragmentar os combustíveis que poderiam causar novos incêndios. 

A vegetação queimada nos dois parques foi de espécies consideradas ameaças em Unidades de Conservação. A primeira era de predominância de pasto cultivado com braquiárias no Parque das Várzeas do Rio Ivinhema. A segunda área era dominada pela planta invasora capim jaraguá, que estava em meio a regeneração do Cerrado. 

“Estamos encarando o fogo como uma ferramenta de manejo, não mais como uma ameaça a ser combatida totalmente. Existem variáveis necessárias de avaliar antes de queimar uma região, como o regime de fogo, que avalia a frequência, a época, o tamanho da área queimada, a intensidade, a severidade e o tipo de queima. Quando a técnica é aplicada de forma errada, pode ser prejudicial até mesmo para ecossistemas dependentes do fogo, que é o caso do Pantanal”, explicou Alexandre de Matos Martins Pereira, doutorando em Ecologia e Conservação pela UFMS.

Ação integrada é inédita no estado. (Foto: Alicce Rodrigues)
Brigadistas indígenas da Aldeia Alves de Barros participaram do treinamento para a troca de experiências. (Foto: Alicce Rodrigues)
Alexandre Pereira trabalhou no Prevfogo/Ibama durante os períodos críticos de incêndios em 2019 e 2020 no Pantanal. (Foto: Alicce Rodrigues)

Manejo Integrado do Fogo (MIF) 

O programa construído de forma coletiva tem potencializado o combate a incêndios florestais, mas não é uma abordagem nova. O manejo integrado do fogo é realizado desde 2009 pelo PrevFogo e associa aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos para executar, integrar, monitorar e avaliar as ações relacionadas ao uso do fogo, por meio de queimas prescritas e controladas que visam prevenir e combater incêndios florestais. 

“Apesar do Pantanal ser um ambiente dependente do fogo, o seu uso precisa ser melhorado para funcionar de forma mais benéfica para o bioma”, explica Geraldo Alves Damasceno Júnior, doutor em Biologia Vegetal e professor da UFMS. 

Geraldo também é coordenador do Núcleo de Estudos do Fogo em Áreas Úmidas (Nefau), projeto que surgiu após os grandes incêndios florestais de 2019 e 2020 no Pantanal. O objetivo é pesquisar como o fogo e a inundação afetam o bioma a longo prazo, com maior foco nas interações entre as plantas e os animais e também nos aspectos sociais e econômicos. O projeto é financiado pelo CNPq, Imasul, Rede Pantanal e cofinanciado pelo Fundect. 

Um dos objetivos do projeto Nefau também é prover o estado de Mato Grosso do Sul de meios para fiscalizar e licenciar programas de MIF no Pantanal. Em propriedades rurais privadas, aquelas que apresentam formação e treinamento de brigadas de incêndio apresentam redução de até 50% no número de queimadas quando comparadas àquelas que não utilizam o programa. Em Unidades de Conservação, chega a 12%, é o que mostra estudo desenvolvido pelo Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e pelo Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa). 

Durante o treinamento oferecido para os bombeiros nas UCs, os brigadistas Mesaque Rocha, Rubens Ferraz e Evair da Silva acompanharam o grupo para a troca de experiências e de saberes. Os três fazem parte da brigada indígena kadiwéu formada na Aldeia Alves de Barros, em Porto Murtinho (MS), que têm alcançado resultados importantes aliando a sabedoria ancestral dos povos indígenas com a ciência e com o uso do manejo integrado do fogo. 

Um dos principais resultados, encontrado com o trabalho do projeto Noleedi, também da UFMS, mostrou que a atuação da brigada indígena formada pelo PrevFogo na Terra Indígena Kadiwéu reduziu em até 53% a área queimada em época de estiagem. Dentro do Noleedi, que significa fogo no idioma kadiwéu, cientistas pesquisaram o fogo dentro do Pantanal com foco nos impactos das queimadas sobre animais e plantas na área indígena. 

Geraldo Damasceno, doutor em Ecologia e Conservação e professor na UFMS. (Foto: Alicce Rodrigues)
Rubens Ferraz, brigadista da aldeia Alves de Barros. (Foto: Alicce Rodrigues)

Unidades de Conservação (UCs) 

Apesar do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) ter sido criado no dia 18 de julho de 2000, essas áreas e a importância de cada uma ainda são desconhecidas pela maioria dos brasileiros. As UCs são áreas naturais que precisam de proteção e são criadas por meio do Poder Público, pelo Executivo e Legislativo, após uma série de levantamentos sobre a importância de conservar esses espaços. 

Muitos povos tradicionais como ribeirinhos, quilombolas e indígenas vivem em Unidades de Conservação. Há séculos esses povos são aliados na conservação da biodiversidade e dependem da qualidade dos recursos naturais para continuarem existindo, mas sofrem com as mudanças climáticas e com a falta de mecanismos que sejam mais eficazes em legislar e fiscalizar ações humanas nessas áreas. 

UCs são importantes também por conservarem recursos e servirem como redutoras de impactos das mudanças climáticas e de desastres ambientais, como enchentes. Quem mora no centro urbano também se beneficia, já que podem fornecer água potável e controlar pragas e doenças, como a dengue. 

Segundo a WWF-Brasil, o Brasil possui 18% do território coberto por Unidades de Conservação, com mais de 2.400 públicas, além das reservas privadas, mas somente 6% estão em unidades de Proteção Integral, ou seja, permitem o uso dos recursos naturais apenas para atividades como turismo, pesquisa científica, educação ambiental, entre outras que envolvam somente o uso indireto, sem o consumo dos recursos. 

O Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema, que abrange os municípios de Jateí, Naviraí e Taquarussu e o Parque Estadual Nascentes do Rio Taquari, entre Alcinópolis e Costa Rica, são áreas de proteção integral. Ao todo, existem 11 UCs estaduais em Mato Grosso do Sul, segundo o  Instituto de Meio Ambiente (Imasul). 

Vinte e três municípios contam com Unidades de Conservação de Proteção Integral em MS e outros 39 municípios possuem UCs de Uso Sustentável, que conciliam a presença humana nas áreas protegidas e permitem o uso dos recursos naturais, desde que consigam manter os recursos usados constantes e renováveis.

Em 2020, mais de 40 mil hectares, o que equivale a 75% da área do Parque Estadual Nascentes do Rio Taquari, foram consumidos pelo fogo. Conforme o Imasul, o incêndio pode ter começado pela queda de um raio. 

Confira a porcentagem de Unidades de Conservação em cada bioma: 

Amazônia, 28%; Caatinga, 8,8%; Cerrado, 8,4%; Mata Atlântica, 9,8%, Pampa, 3%; Pantanal, 4,6%.


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