O uso do fogo contra o fogo pode ser feito até mesmo em períodos de seca e de incêndios no Pantanal. A técnica, chamada de queima prescrita, foi aplicada em propriedades rurais por dez brigadistas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em parceria com pesquisadores da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). Três fazendas da região do Pantanal Miranda-Abobral receberam a ação no fim de setembro. Essa é uma das principais atividades de prevenção previstas em planos de manejo integrado do fogo.
Durante a ação foram queimados quatro hectares de vegetação em áreas que não foram atingidas por incêndios este ano, nas fazendas São José do Báu, Xaraés e Vai Quem Quer. O objetivo é reduzir a quantidade de vegetação seca e exótica acumuladas que podem servir como combustível. Com isso, se o ‘fogo ruim’ dos incêndios se aproxima das regiões, os riscos de se alastrarem são minimizados. A iniciativa faz parte do projeto PELD NEFAU (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração, executado pelo Núcleo de Estudos do Fogo em Áreas Úmidas) da UFMS, grupo de cientistas voltado ao estudo dos efeitos do fogo e da inundação no bioma pantaneiro.
“No período crítico, a nossa queima simula o fogo dos incêndios, então a tensão é bem maior. Nesta ação contamos com o trabalho de dez brigadistas bastante experientes na execução de queimas controladas e todas aconteceram de forma segura e dentro do esperado”, informa Alexandre Pereira, pesquisador do NEFAU e analista ambiental do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama.
Segundo profissionais que atuam no projeto, três tipos de queima prescrita são realizadas em suas áreas de estudo: precoce, modal e tardia. A primeira é feita no período menos crítico, que antecede a temporada de incêndios. A segunda é aplicada durante o período de estiagem e de incêndios. Por fim, o fogo tardio é feito após o período crítico. Entre as três, a queima modal é a que mais exige atenção.
Márcio Yule, coordenador do Prevfogo em Mato Grosso do Sul, ressalta que não basta só combater o fogo, o apoio às atividades científicas dentro do manejo integrado do fogo é fundamental para mudar o futuro dos grandes incêndios no Pantanal.
“É uma ação preventiva extremamente importante. Já existe uma determinação dentro do Prevfogo para que a gente possa apoiar cada vez mais as pesquisas e no caso da queima prescrita, fornecer todo apoio e segurança no acompanhamento, cumprindo as etapas de execução. Encaminhamos dez profissionais, cinco da brigada Pronto Emprego de Corumbá e cinco da brigada Terena Limão Verde. Só com ações efetivas da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo mudaremos esse cenário preocupante”.
Para quem precisou combater incêndios muito mais cedo no Pantanal este ano, quando logo em junho já existiam grandes focos, trabalhar finalmente em ações preventivas é um alívio. Esse é o caso de Edson Rojas, brigadista da brigada Pronto Emprego, de Corumbá (MS).
“2024 foi muito difícil. Normalmente começamos com atividades de prevenção, como construir aceiros e participar de ações de educação ambiental, só que este ano já entramos combatendo o fogo e em situações de muito perigo. Na última missão na Serra do Amolar, por exemplo, o fogo chegou a cercar nossa equipe, mas graças a Deus conseguimos terminar o combate. Trabalhar cada vez mais com queimas prescritas e controladas e menos com incêndios é o nosso objetivo”.
O ‘fogo bom’ é utilizado desde 2013 pela brigada Terena da aldeia Limão Verde, em Aquidauana (MS), quando o Prevfogo montou uma base operacional no local. Motivado pelos resultados que viu, o brigadista Odielson Franscisco se preparou e entrou para a equipe em 2018.
“Antes da brigada existir na aldeia, nossa comunidade era bem afetada por incêndios. Quando o Prevfogo entrou e começaram queimas controladas, ações educativas nas escolas, igrejas e demais espaços, conseguimos alcançar o público-alvo que é a comunidade e esse problema reduziu muito. As ações preventivas fazem toda diferença”.
Por possuir planejamento estratégico, o fogo prescrito é considerado bastante seguro. Dias antes de executar uma ação como essa, pesquisadores se reúnem com brigadistas para avaliarem as condições do local e as equipes realizam limpeza e manutenção de aceiros nas parcelas que serão queimadas.
Aceiros são faixas livres de vegetação que limitam uma determinada área e podem funcionar como barreiras para impedir a propagação do fogo. Por fim, na hora da queima, brigadistas utilizam o equipamento pinga-fogo e ateiam as chamas em pequenas áreas da vegetação de superfície, monitorando a área destinada para a queima prescrita até o fogo ser extinto.
Em julho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, em Corumbá (MS), a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, com objetivo de implementar o Manejo Integrado do Fogo (MIF) para reduzir incêndios florestais e fortalecer a conservação da biodiversidade. O MIF é construído de forma coletiva e integra aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos nas ações relacionadas ao uso do fogo. A estratégia utiliza queimas prescritas e controladas como formas de prevenir e combater incêndios.
Um dos objetivos do projeto PELD NEFAU também é prover o estado de Mato Grosso do Sul de meios para fiscalizar e licenciar programas de MIF no Pantanal. Em propriedades rurais privadas, aquelas que apresentam formação e treinamento de brigadas de incêndio apresentam redução de até 50% no número de queimadas quando comparadas àquelas que não utilizam o programa. Em Unidades de Conservação, chega a 12%, é o que mostra estudo desenvolvido pelo CSR (Centro de Sensoriamento Remoto) e pelo Lagesa (Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais).